quarta-feira, 30 de abril de 2014

25 DE ABRIL - LARGO DO CARMO - INTERVENÇÃO DE VASCO LOURENÇO


                                            

Texto integral da intervenção do coronel Vasco Lourenço, em 25/04/2014, no Largo do Carmo:

40 anos após o sonho

 Faz hoje 40 anos que o Movimento das Forças Armadas concretizou o derrube da mais velha ditadura da Europa.

Dizemo-lo, ontem como hoje, porque parece que há por aí quem, lembrando-se demasiado bem dessa data e do seu significado, que não aceita nem suporta, quer calar a voz dos militares de Abril. A voz de quem, hoje como há 40 anos, continua livre, de mãos limpas e ao serviço de um povo ao qual pertence e jamais trairá.

E se a nossa presença é tão desejada na Assembleia da República, tão imprescindível e tão insubstituível, não compreendemos o medo, sim o medo, de nos olharem para além da “cereja em cima do bolo”!

Pois bem, que fique claro que não nos fecham a boca, nem amarram os braços, com os slogans de que pretendemos um estatuto especial!

Por isso, aqui estamos para lembrar o 25 de Abril e denunciar o que, em nosso entender, atenta contra o seu espírito e os seus valores.

Dizemo-lo e repetimo-lo, aqui e agora, porque os detentores do poder assumem-se, cada vez mais, como herdeiros dos vencidos em 25 de Abril de 1974.

A luta de muitos portugueses contra a tirania, a opressão e o obscurantismo, culminou nessa radiosa jornada de 25 de Abril de 1974 – que nos lançou na mais extraordinária aventura, que um povo pode viver.

Mas se é certo que a grande virtude dos militares de Abril foi o saberem aproveitar as condições criadas por essa luta, bem como as condições resultantes da longa guerra colonial, o certo é que o 25 de Abril de 1974 é da exclusiva responsabilidade desses militares que surpreenderam o mundo pela sua generosidade: pela primeira vez na história de Portugal e do Mundo, as Forças Armadas tomaram a iniciativa de devolver o poder aos cidadãos, logo que foram criadas condições democráticas para tal.

Assim, terminada a guerra colonial, aprovada a Constituição da República e estabilizadas as Instituições Democráticas, os militares regressaram aos quartéis.

Tudo fizeram pelo seu País, nada quiseram para si.

A primeira década da democracia, em que os militares ainda foram o garante da estabilidade, possibilitou aos portugueses a escolha do espaço europeu como modelo político e económico,

Em suma, foi graças a essa “madrugada inteira e limpa”, como a crismou Sophia, que foi possível começar a:

-         Construir um País novo, recuperando-o do atraso em que o haviam colocado,

-         Fazer um Estado Democrático e de Direito,

-         Reconhecer o direito à autodeterminação e independência dos povos colonizados,

-         Retirar Portugal do isolamento internacional em que os ditadores o mantinham,

-         Inserir o nosso País numa Europa onde o Estado Social garantia há mais de trinta anos uma situação de paz, progresso, bem-estar e justiça social.

Esse, lembramos mais uma vez, foi o tempo de todas as esperanças, convictos de que se caminhava ao encontro de uma sociedade verdadeiramente livre e justa.

Porém, hoje, e repetindo o que afirmámos nesta mesma data há um ano, assistimos, e sofremos na pele, à destruição de muito do que de bom se conseguiu, ao retrocesso para tempos da outra senhora, à destruição do Portugal de Abril e ao abrir de portas de novas escravidões, à iniquidade, à perda da soberania”.

Vemos com muita preocupação:

-         O regresso da emigração em massa porque não há trabalho em Portugal;

-         O desemprego avassalador e desumano que atira centenas de milhares de compatriotas nossos para o sofrimento, a desesperança, as bermas da indignidade; ingressámos já no grupo dos quinze países do mundo com mais desempregados;

-         A fome a alastrar pelas camadas mais desfavorecidas;

-         A enorme desvalorização atingida pelo trabalho;

-         O aumento escandaloso da injustiça social;

-         As cantinas das escolas abertas nas férias escolares para que crianças portuguesas possam comer alguma coisa nesses períodos;

-         Uma classe média destroçada;

-         O Estado Social a ser destruído, com consequências maiores no direito à educação, à saúde e à segurança social;

-         O aumento da corrupção que, como Vitorino Magalhães Godinho afirmou no seu livro Os Problemas de Portugal, “surge como o regular funcionamento da economia”, que nos arrastou para esta enorme crise;

-         A enorme impunidade que campeia entre os poderosos, considerados acima da lei;

-         O não funcionamento da Justiça;

-         O regresso do medo, aos que sentem o emprego em risco ou temem perder o pouco que ainda têm;

-         Os reformados e os pensionistas a serem esbulhados a cada fim de mês porque quem conscientemente nos desgoverna rasgou os contratos assinados pelo Estado com os trabalhadores para respeitar os inaceitáveis contratos assinados com a troika;

-         O desrespeito da dignidade humana.

E porque há valores de dignidade humana inquestionáveis, nomeadamente o direito a um eficiente serviço de saúde pública, de educação pública e de segurança social pública, não podemos assistir indiferentes às situações de pobreza extrema, de carência absoluta, de fome que todos os dias se nos deparam!

Hoje, revoltados, assistimos:

-         A uma propaganda governamental mais condizente com serventuários do grande capital financeiro do que com governantes eleitos pelo povo para defesa do bem comum;

-         À desfaçatez e sem vergonha de políticos que, do alto das cadeiras da casa que devia ser da democracia, vêm a público afirmar, sem pingo de bom senso, que o País está melhor embora os portugueses estejam pior;

-         A uma governação que legisla como se a Constituição não existisse, passando pelo descrédito, contínuo desde há três anos, de ver leis suas revogadas pelo Tribunal Constitucional que em permanência afronta.

Neste contexto, muitos dos nossos compatriotas já perderam a esperança. Mas porque “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”, continuamos a lutar – dissemo-lo há um ano e reafirmamo-lo agora – “com as armas que a Democracia conquistada com Abril ainda nos permite, contra os novos tiranos que nos roubam o pão, o trabalho e a soberania”.

A desvergonha é tanta que, no Governo, ao mais alto nível, há até quem se atreva a falar de uma nova Restauração, fazendo de conta que não sabe que um novo 1640 está mesmo a caminho com a inevitável defenestração dos Miguéis de Vasconcelos que por ali andam.

Mas hoje, neste local simbólico que tão gratas recordações nos traz, podemos e queremos dizer sem qualquer hesitação, que quem nos desgoverna subiu ao poder fazendo promessas que não cumpriu. Enganando os cidadãos que neles votaram. Deslegitimando-se, ética, moral e politicamente.

Hoje, além de com subido orgulho homenagearmos aqui um dos nossos – Salgueiro Maia, e nele evocarmos todos os Militares de Abril já falecidos –, queremos lembrar a todos os nossos concidadãos que a democracia não se limita a eleições de quatro em quatro anos.

Queremos afirmar que quem nos desgoverna tem que prestar contas de cada um dos seus actos que mexe com a vida de todos nós. Não podemos ficar de braços cruzados perante um Portugal de joelhos face ao poder estrangeiro, cada vez mais pobre, cada vez mais devedor (a nossa dívida pública nos últimos três anos saltou de 90 para 130 mil milhões), cada vez mais esmifrado.

A situação é esta e não estamos a exagerar. Sabemos que a luta em que estamos envolvidos é uma luta difícil. Disso todos temos que ter consciência. Os inimigos, dentro e fora de fronteiras, são poderosos – mas a nossa História quase milenar, e o direito à nossa vida com futuro, a isso nos obrigam. Não podemos virar a cara à luta.

Sublinho hoje de novo, como já tantas vezes o fizemos: temos a consciência de que a crise é generalizada no mundo ocidental, nomeadamente na Europa – mas isso não justifica a profundidade que atingiu Portugal.

Estamos a lutar contra o marasmo, o conformismo, o amochar que se tem apoderado de muitos portugueses perante as contínuas agressões e roubos de que são vítimas. O País está a ser destruído e temos que nos mobilizar a fundo para pormos cobro a uma situação que seria impensável há meia dúzia de anos.

Estamos a incentivar as acções da sociedade civil que vem despertando, vem assumindo a contestação e vem dando sinais inequívocos ao Poder – os quais, a não serem entendidos, provocarão fortes convulsões sociais, com a violência em pano de fundo.

Insistimos e sabemos do que falamos: cada dia que passa assistimos à destruição do que, de positivo, foi sendo construído no nosso país em resultado da acção libertadora de há 40 anos.

O País está vendido, em grande parte e a pataco, ao estrangeiro!

As desigualdades, consumadas no aumento do enriquecimento dos que já têm tudo e no cada vez maior empobrecimento dos mais desfavorecidos, transforma a nossa sociedade num barril de pólvora que apenas será sustentável numa nova ditadura opressiva, com o desaparecimento das mais elementares liberdades.

Como há um ano, manifestamos de novo, e com maior veemência, a nossa indignação face aos acontecimentos que se estão vivendo em Portugal e que configuram, de modo irrefutável, um enorme e muito grave descrédito dos representantes políticos no Poder, que deliberadamente criaram e sustentam esta situação.

Insistimos, sem tibieza, que a Democracia não é, nem pode ser jamais, a concessão a uns quantos de uma patente de incompetência ou pilhagem, para se enriquecerem a si e a amigos durante quatro anos ou mais.

A Democracia tem o seu fundamento na confiança que os representados têm nos seus representantes e na lealdade destes perante quem os elegeu. Quando essa confiança é traída e essa lealdade desaparece, a legitimidade moral e política da classe dirigente desmorona-se e o cimento da Democracia apodrece. O que não podemos permitir.

Isto é o que, infelizmente há muito tempo, pensamos – mas que em nosso entender se agravou de modo substancial nos últimos anos, com um Governo de joelhos submetendo-se docilmente aos ditames da Troika e, por mais inconcebível que tal seja, indo ainda mais longe do que exigem esses estrangeiros que hoje mandam no nosso país transformado numa espécie de protectorado.

E porque a justificação para a não mudança parece ser a nossa pertença ao Euro e à União Europeia, e porque esta caminha para um projecto falhado, um projecto moribundo, há que questionar a nossa continuidade no Euro e na própria União Europeia.

Numa democracia existem sempre alternativas.

Numa democracia não existem assuntos tabus. Por isso não devemos ter receio de discutir a nossa pertença à EU e ao Euro!

Pertencemos à Europa, irrevogavelmente, pela cultura, pela história, pelos milhões de portugueses que estão no seu território, mas não queremos, não aceitamos ser o lupen proletariado da Europa! Queremos pertencer a uma União e não a um Império!

Somos Europeus, não somos sub-europeus! As nossas razões para estarmos na Europa são as do respeito, as da Igualdade, as da Solidariedade.

Se a União Europeia continuar como está, será preferível sairmos!

Em resumo e para que fique claro: a situação em que Portugal se encontra é inaceitável, insustentável e perigosa. E porque continuamos a considerar que a antecâmara do totalitarismo surge quando, num Estado de Direito, a classe política perde o seu prestígio porque se transforma numa espécie de casta que deixa de servir os interesses de todos para servir os seus próprios interesses e/ou os interesses dos já poderosos, chegou o momento de, com toda a força, a população dizer basta - e, em nome da Pátria, apontar a solução: ou se muda urgentemente de política e inverte o caminho de submissão, austeridade e empobrecimento do país, ou este governo tem de ser apeado sem hesitação. De preferência por iniciativa do Presidente da República, que continua a ser um mero assistente passivo ou mesmo conivente, tardando em fazer uma leitura consequente da situação que se vive em Portugal, desviando-o do plano inclinado em que se encontra, rumo ao precipício.

Temos de ser capazes de aproveitar as armas da Democracia e mostrar aos responsáveis pelo “estado a que isto chegou” um cartão vermelho, que os expulse de campo!

Não duvidemos, temos de ser capazes de expulsar os “vendilhões do templo”!

Os desmandos e a tragédia da actual governação não podem continuar!

Igualmente, temos de ser capazes de retornar às Presidências de boa memória de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio!

Temos de ser capazes de ultrapassar os sectarismos, temos de ter a capacidade de reconhecer o inimigo comum, mesmo antes de sermos totalmente derrotados.

Vencendo o conformismo, temos de ser capazes de resistir de novo, reconquistar as utopias, arriscar a rebeldia e renovar a esperança!

Recolocados os valores da madrugada libertadora, nessa altura, vencido o medo, poderemos então retomar a esperança de reafirmar Abril e construir um futuro melhor!

 Largo do Carmo, Lisboa, 25 de Abril de 2014
Vasco Lourenço

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