sábado, 30 de novembro de 2013

123 - O DIA EM QUE A CRISE TERMINOU!

                                      
                                 Artigo de Concha Caballero

 Concha Caballero é licenciada em filosofia e letras, é professora de línguas e literatura. Entre 1993 e 2008 ocupou um lugar no parlamento da Andaluzia onde chegou a ser porta voz do grupo esquerda unida.

Deputada autonómica entre 1994 e 2008 foi uma das deputadas chave na aprovação da Reforma do Estatuto Autonómico da Andaluzia a que imprimiu um caracter mais social e humano do que, no principio, os grupos maioritários do parlamento pretendiam.

Actualmente colabora em diferentes meios de comunicação. Escreve sobre actualidade politica. Em 2009 publicou o livro “Sevilha cidade das palavras”.




123 - O dia em que a crise terminou!
 
Quando terminar a recessão, teremos perdido  30 anos dos nossos direitos e salários
 
 Num bom dia do ano de  2014
despertaremos e irão anunciar-nos  que a crise terminou.
Correrão rios de tinta com as nossas dores, comemorarão o fim do pesadelo  far-nos-ão pensar  que passou o perigo embora nos observem que ainda há uns sintomas da fraqueza e que devemos estar muito prudentes para evitar recaídas.
Conseguirão que respiremos aliviados, que nós comemoremos o acontecimento, que terminemos  a atitude crítica contra o poder,  prometer-nos-ão que, pouco por pouco, voltaremos à tranquilidade das nossas vidas.

Num bom dia do ano de  2014
a crise terá terminado oficialmente e ficaremos com uma cara de estúpidos  agradecidos, reprovarão a nossa desconfiança, darão por boas as políticas do ajuste e voltarão a dar corda ao carrossel  da economia.
Por suposição, a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade  do crescimento infinito permanecerá intacta, mas essa ameaça nunca  foi difundida e aquelas que dominam realmente o mundo terão posto um ponto final nesta crise fraudulenta - meio realidade e meio ficção -  cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objetivos foram claros e contundentes:
 fazer-nos retroceder 30 anos nos direitos e nos salários.
 
Num bom dia do ano de  2014

  • quando os salários forem  rebaixados  até aos limites do terceiro-mundo;
  • quando o trabalho for tão barato que deixe  de ser o fator determinante do produto;
  • quando se desvalorizarem  todas as profissões de modo que os seus  saberes sejam desvalorizados;
  • quando domesticarem a juventude na arte de trabalhar quase de graça;
  • quando tiverem uma reserva de um  milhão de pessoas desempregadas  dispostas a ser polivalentes, prontos para se deslocarem  e moldáveis, para assim fugirem do inferno do desespero,  
ENTÃO A  CRISE TERÁ TERMINADO!
Num bom dia do ano de  2014
  • quando os estudantes se amontoarem nas salas de aula e seja possível expulsar do sistema educativo cerca de 30% dos estudantes sem deixar rasto visível da façanha;
  • quando a saúde seja comprada e não seja oferecida;
  • quando nosso estado de saúde se pareça com a nossa conta bancária;
  • quando nos cobrem por cada serviço, por cada direito, por  cada prestação que fizermos;
  • quando as pensões forem atrasadas e cada vez mais baixas,
  • quando nos convencerem que nós necessitamos seguros privados garantir as nossas vidas,
ENTÃO IRÃO ANUNCIAR-NOS QUE A CRISE TERMINOU.
Num bom dia do ano de  2014
  • quando conseguirem  nivelar  por baixo toda a estrutura social e todos - excepto  as cúpulas postas a salvo em cada setor -   pisarmos os charcos  da escassez  ou sentimos a respiração do medo nas nossas costas;
  • quando nos cansarmos de nos confrontarmos  uns com os outros  e se tenham quebrado todas as pontes da solidariedade,
ENTÃO IRÃO ANUNCIAR-NOS QUE A CRISE TERMINOU.

Nunca em tão pouco tempo  se terá conseguido tanto.
Bastaram cinco anos para reduzir a cinzas os direitos que demoraram séculos a conquistar e a alcançar.
Uma devastação tão brutal do panorama social só se havia conseguido na Europa através da guerra. Mesmo que, bem pensado, também neste caso tenha sido o inimigo a ditar as leis, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armestício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela.
Seu grande triunfo será não só tornar-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que  tão facilmente havíamos ganho, estaria agora novamente em disputa.

Atualmente andaram para trás com o relógio da história e ganharam 30 anos dos seus interesses.

Agora restam os últimos retoques ao novo contexto social:
um pouco mais de privatização aqui, um pouco menos de gastos públicos ali e eis que o seu trabalho estará concluído.
Quando o calendário marcar qualquer dia do ano de 2014
e as  nossas vidas tenham retrocedido até finais dos anos setenta, decretam o fim da crise e no rádio escutaremos  as últimas condições da nossa rendição.
Artigo de Concha Caballero, no jornal El País

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