domingo, 30 de junho de 2013

AS GREVES À PORTUGUESA E A PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS

 
AS GREVES À PORTUGUESA

E A PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS

Dia de Greve Geral, 
foram convocadas manifestações ...

O Alberto e a Luísa acordam bem cedo e desatam a tirar os putos da cama. Desembrulham os fatos e calções de banho enrugados nas gavetas desde o Verão passado e correm a casa à procura de chinelos e toalhas.

O Alberto, já sentado no sofá a fumar, depois de ter encontrado a SUA toalha, avisa toda a gente a gritar lá da sala, que daqui a pouco não consegue estacionamento em lado nenhum ao pé da areia, e que depois têm da andar muito, enquanto deixa a Luísa na cozinha a fazer as sandes todas e a bramar com a pequenita Inês, que para além de só encontrar um chinelo, quer levar uma lista interminável de castelos, bonecas, bolas, bóias e mais uma série de coisas da "Hello Kitty".

O Nuno ... filho mais velho, só agora deixou de andar pela casa de boxers, ensonado com olhos de carneiro mal morto, como quem procura algo sem saber o quê, boceja ruidosamente, enquanto já despachado, penteia a grande cabeleira com os dedos, afastando-a dos olhos.

Passada meia hora, todos no Fiat Punto, com as janelas abertas, que o carro para além de ter a tinta toda a sair do tejadilho, não tem ar condicionado, vão entrando na ponte 25 de Abril em direcção à Caparica. Alberto, manda vir com toda a gente, o barulho vindo lá de fora provocado pelas janelas abertas não o deixa ouvir a rádio que noticia o desenrolar da greve geral. Enquanto pretende que a única janela aberta seja a dele, porque acabou de acender outro cigarro, vai chamando bandalho e ladrão a Passos Coelho, e praguejando que devia ser greve até o governo ir embora, e que qualquer dia parte isto tudo.

O processo de estacionamento foi moroso. No parque poeirento destinado a viaturas da Praia da Rainha, com a roupa transpirada, vão decidindo quem carrega o quê ... entre o descarregar da geleira, chapéu de sol, e sacos cheios das bonecadas todas da Inês, toalhas, revistas da semana anterior e jornais, Nuno é ameaçado com uma «chapada nas orelhas» porque já lá vai à frente apenas com a sua toalha e o seu IPod e não ajuda ninguém.

Arranjar lugar para o chapéu-de-sol também não é coisa fácil. A Praia está cheia de gente, toalhas na areia, futebolistas de barriga bronzeada, geleiras à sombra, pessoal das raquetas do LIDL, rádios no máximo, e miúdos a correr em direcção à água, jogando areia para cima daqueles que muito incomodados com isso, a vão sacudindo da ponta da toalha, de óculos escuros e enfadados.

A família não arranja lugar perto do mar. Ficam na parte de cima, onde a areia é mais solta e quente. A Inês, embora queixosa, que está a queimar os pés, lá se apressa a despir o vestidinho, mostrando o seu biquíni cor-de-rosa, enquanto a mãe lhe passa protector solar pela pele, enchendo-lhe a cara, braços e ombros da camada branca característica. O Alberto vai segui-la até lá abaixo, indo gritando para ela não ir a gritar, aproveita para fumar o cigarrito que vai deixar disfarçadamente no mar, e ver se a água está fria ou não, molhando os pés.

O Nuno de phones nos ouvidos, protesta porque não percebe porque tem de ser ele a montar o chapéu-de-sol, enquanto dá uma vista de olhos para os lados, a ver qual a localização para a sua toalha que lhe permita uma vista ... mais agradável para as raparigas vizinhas. A Luísa pergunta-lhe se ele já tem fome ... 2 vezes, porque este não a ouviu à primeira.

Mais logo irão regressar encarnados, salgados, cansados, fartos, a bramar uns com os outros ... mas felizes, e de volta no Punto, o rádio passa que uns manifestantes foram presos ... mas ninguém percebeu bem. A atenção nessa altura estava virada para o facto de Luísa ter deixado cair os trocos para a portagem para debaixo do banco.

... e um dia que a praia passe a privada, ironicamente tornada possível porque a malta só pensa em lá ir, confinando a indignação portuguesa à conversa no café, sempre podem encher a banheira lá de casa, e apanhar sol na varanda.

Para a semana, vão ao mega-piquenique no Terreiro do Paço. Vai lá estar o Tony Carreira, e a Luísa quer muito vê-lo. O Alberto nem sonha quanto.

João Henriques
https://www.facebook.com/joao.anonimo.9
Grupo de Redacção do RiseUp Portugal

 
AS GREVES À PORTUGUESA E A PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS
Dia de Greve Geral, foram convocadas manifestações ...

O Alberto e a Luísa acordam bem cedo e desatam a tirar os putos da cama. Desembrulham os fatos e calções de banho enrugados nas gavetas desde o Verão passado e correm a casa à procura de chinelos e toalhas.

O Alberto, já sentado no sofá a fumar, depois de ter encontrado a SUA toalha, avisa toda a gente a gritar lá da sala, que daqui a pouco não consegue estacionamento em lado nenhum ao pé da areia, e que depois têm da andar muito, enquanto deixa a Luísa na cozinha a fazer as sandes todas e a bramar com a pequenita Inês, que para além de só encontrar um chinelo, quer levar uma lista interminável de castelos, bonecas, bolas, bóias e mais uma série de coisas da "Hello Kitty".

O Nuno ... filho mais velho, só agora deixou de andar pela casa de boxers, ensonado com olhos de carneiro mal morto, como quem procura algo sem saber o quê, boceja ruidosamente, enquanto já despachado, penteia a grande cabeleira com os dedos, afastando-a dos olhos.

Passada meia hora, todos no Fiat Punto, com as janelas abertas, que o carro para além de ter a tinta toda a sair do tejadilho, não tem ar condicionado, vão entrando na ponte 25 de Abril em direcção à Caparica. Alberto, manda vir com toda a gente, o barulho vindo lá de fora provocado pelas janelas abertas não o deixa ouvir a rádio que noticia o desenrolar da greve geral. Enquanto pretende que a única janela aberta seja a dele, porque acabou de acender outro cigarro, vai chamando bandalho e ladrão a Passos Coelho, e praguejando que devia ser greve até o governo ir embora, e que qualquer dia parte isto tudo.

O processo de estacionamento foi moroso. No parque poeirento destinado a viaturas da Praia da Rainha, com a roupa transpirada, vão decidindo quem carrega o quê ... entre o descarregar da geleira, chapéu de sol, e sacos cheios das bonecadas todas da Inês, toalhas, revistas da semana anterior e jornais, Nuno é ameaçado com uma «chapada nas orelhas» porque já lá vai à frente apenas com a sua toalha e o seu IPod e não ajuda ninguém.

Arranjar lugar para o chapéu-de-sol também não é coisa fácil. A Praia está cheia de gente, toalhas na areia, futebolistas de barriga bronzeada, geleiras à sombra, pessoal das raquetas do LIDL, rádios no máximo, e miúdos a correr em direcção à água, jogando areia para cima daqueles que muito incomodados com isso, a vão sacudindo da ponta da toalha, de óculos escuros e enfadados.

A família não arranja lugar perto do mar. Ficam na parte de cima, onde a areia é mais solta e quente. A Inês, embora queixosa, que está a queimar os pés, lá se apressa a despir o vestidinho, mostrando o seu biquíni cor-de-rosa, enquanto a mãe lhe passa protector solar pela pele, enchendo-lhe a cara, braços e ombros da camada branca característica. O Alberto vai segui-la até lá abaixo, indo gritando para ela não ir a gritar, aproveita para fumar o cigarrito que vai deixar disfarçadamente no mar, e ver se a água está fria ou não, molhando os pés.

O Nuno de phones nos ouvidos, protesta porque não percebe porque tem de ser ele a montar o chapéu-de-sol, enquanto dá uma vista de olhos para os lados, a ver qual a localização para a sua toalha que lhe permita uma vista ... mais agradável para as raparigas vizinhas. A Luísa pergunta-lhe se ele já tem fome ... 2 vezes, porque este não a ouviu à primeira.

Mais logo irão regressar encarnados, salgados, cansados, fartos, a bramar uns com os outros ... mas felizes, e de volta no Punto, o rádio passa que uns manifestantes foram presos ... mas ninguém percebeu bem. A atenção nessa altura estava virada para o facto de Luísa ter deixado cair os trocos para a portagem para debaixo do banco.

... e um dia que a praia passe a privada, ironicamente tornada possível porque a malta só pensa em lá ir, confinando a indignação portuguesa à conversa no café, sempre podem encher a banheira lá de casa, e apanhar sol na varanda.

Para a semana, vão ao mega-piquenique no Terreiro do Paço. Vai lá estar o Tony Carreira, e a Luísa quer muito vê-lo. O Alberto nem sonha quanto.

(Do: RisUP).

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial